A pandemia do coronavírus, que nos afetou mais especificamente a partir de março de 2020, foi muito difícil e dolorosa. O cenário que se formatou a partir de então foi diverso e complexo: isolamento, afastamento social, mortes, negacionismo, busca de cura, ampliação do desemprego e da precarização, trabalho em casa, trabalho no enfrentamento do vírus até então desconhecido etc. Vivemos situações e práticas que jamais imaginávamos experienciar em pleno século XXI, mas como bem disse Caponi ao se referir Canguilhem: “las infidelidades del medio, los fracasos, los errores y el malestar forman parte constitutiva de nuestra história porque nuestro mundo es un mundo de accidentes posibles” (CAPONI, 1997, p.296)1 . E, neste processo, tivemos que aprender a viver neste mundo de infidelidades e monstruosidades. Viver um dia de cada vez passou a ser a novidade, pois já não conseguíamos saber o que nos esperava no horizonte ali bem perto e tão longe de nós. Viver passou, portanto, a ser um desafio. E esse viver não foi linear, assim, marcadores como classe, gênero, raça, território passam a se aprofundar e marcar ainda mais nossa caminhada. Na linha de Canguilhem, tivemos que nos adaptar e construir novas normas a partir das vivências que nos eram possíveis e nos lócus em que conseguíamos enfrentar as demandas cotidianas. Imaginemos como foi para os/as trabalhadores/as, individual ou coletivamente, enfrentar todas as mudanças e demandas deste período. Aqui vamos nos referir a esta experiência dos/as trabalhadores/as como o trabalhar, pois queremos demarcá-la em sua processualidade, como um rio que, a cada dia, tem um modo diferente de escoar em seu leito. O trabalhar, neste período de pandemia, evidenciou que para se realizar as atividades em qualquer tipo de ofício, é necessário se reinventar. Tivemos que usar das nossas capacidades de refletir, de interpretar e de reagir a diferentes situações. Foi necessário engajar o corpo em sua inteireza, não somente o nosso físico foi exigido, nossa subjetividade e constituição de si foram mobilizadas no enfrentamento do novo, usamos da inteligência para descobrir como lidar com as situações. Trabalhar, pois, implica colocar os humanos, individual e coletivamente, em movimento, sentindo as situações, pensando no como fazer e inventando formas de enfrentar as demandas eivadas de variabilidades e contingências. Evidenciou-se, neste período, o caráter industrioso dos humanos. Mesmo diante das dificuldades, do não saber como fazer no primeiro momento, do enfrentamento do desconhecido, os/as trabalhadores/as dos mais diversos setores das atividades econômicas foram engendrando modos de fazer/viver/operar/ educar/ cuidar/ entregar/enterrar. É sobre este desenvolver humano ou trabalhar que queremos abordar nesta coletânea. Assim, este livro reúne um conjunto de capítulos que tratam de temáticas diversas, tendo como pano de fundo a pandemia provocada pelo coronavírus. São diferentes ângulos de análises, com teorias que perpassam a Psicologia do Trabalho, a Saúde do Trabalhador, a Epidemiologia em Saúde, dentre outras, abordando setores variados de nossa economia. Para que pudesse representar a nossa diversidade, o projeto deste livro buscou reunir pesquisadores de diferentes regiões brasileiras e envolve docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, abarcando profissionais da ciência de variadas instituições de ensino superior em 19 nível federal e estadual. Buscou-se respeitados pareceristas, no Brasil e em Portugal para que pudessem bem avaliar os capítulos e conseguíssemos trazer ao público um material de qualidade e relevância social. Esperamos que esta coletânea não nos faça somente sempre recordar o difícil momento vivenciado outrora, mas que também se mostre como uma importante contribuição para compreensão dos mundos do trabalho, suas reinvenções, e nossa potência como classe trabalhadora.