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Projeto Covid longa em trabalhadores offshore lançou resultados e cadernos de orientações

A Rede Trabalhadores e Covid-19 apresentou, no mês de novembro, a devolutiva dos resultados do projeto “Estudo de coorte sobre morbimortalidade relacionada à condição pós-COVID-19 em trabalhadores Offshore”, conhecido como Covid Longa em Trabalhadores Offshore. A atividade reuniu diversos convidados, além de alunos, parceiros e especialistas que contribuíram para o andamento do projeto e para estratégias de cuidado que deverão ser implementadas nas unidades de saúde para identificação da Covid longa em trabalhadores.

Para abrir a atividade, a mesa de abertura contou com a participação do diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Marco Menezes, da procuradora regional do trabalho no Rio de Janeiro, Júnia Bonfante e da coordenadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), Rita Mattos.

O diretor Marco Menezes ressaltou, em sua fala, a relevância do material apresentado, resultado do projeto sobre condições pós-Covid em trabalhadores, destacando o foco no cuidado como eixo estruturante. Para ele, a entrega dialogou diretamente com o contexto atual, tanto no debate sobre a Covid longa quanto na reflexão mais ampla sobre o modelo de desenvolvimento da sociedade, especialmente no marco da COP-30. “A relação entre saúde, trabalho e ambiente é central. Precisamos avançar na preparação para novas emergências sanitárias”, afirmou.

O diretor pontuou que a discussão também estava alinhada às deliberações recentes da Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, realizada em Brasília, que reforçaram a necessidade de fortalecer o cuidado e aprimorar a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, especialmente para enfrentar futuras crises sanitárias. Segundo ele, o trabalho apresentado foi uma contribuição concreta nesse sentido.

Além da COP-30 e da 5ª CNSTT, Marco contextualizou que o momento coincidiu com o Congresso Interno da Fiocruz, no qual a instituição discutirá seu reposicionamento estratégico como órgão essencial do Estado brasileiro. Ele destacou que o projeto reflete o papel esperado de uma instituição comprometida com a sociedade e com o mundo do trabalho, construindo pesquisa de forma cidadã e participativa.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT-RJ), Júnia Bonfante, iniciou sua fala parabenizando o Cesteh pelos 40 anos de atuação, destacando a importância histórica do Centro na produção de conhecimento em saúde do trabalhador e ecologia humana.

Júnia explicou que a pesquisa apresentada foi um “xodó” para o MPT, resultado de um esforço conjunto voltado para a compreensão das condições de trabalho no ambiente offshore, marcado por riscos significativos, exposição a agentes químicos e múltiplas formas de adoecimento. Segundo ela, a realização do estudo após a pandemia foi uma conquista importante. “A gente insistiu muito para que essa pesquisa acontecesse, porque esses trabalhadores vivem sob grande sacrifício e merecem políticas consistentes de proteção”, destacou.

A procuradora enfatizou que a relevância do trabalho ultrapassou o setor offshore, pois seus resultados podem subsidiar o Ministério da Saúde e fortalecer políticas públicas nacionais voltadas à saúde do trabalhador. Ela reforçou o interesse em ampliar o acesso aos dados, inserindo-os nos sistemas nacionais de vigilância e atenção à saúde.

Durante sua fala, Júnia convidou o público a conhecer o SmartLab, plataforma desenvolvida pelo MPT em parceria com a OIT, que reúne dados essenciais para formulação de políticas públicas na área. “É uma ferramenta excelente para apoiar decisões e aprimorar a proteção no mundo do trabalho”, afirmou.

Ao final, ela reforçou a parceria histórica do MPT com instituições científicas, como Fiocruz, UFRJ e Inca, destacando a confiança na produção científica brasileira e no compromisso comum com ambientes mais seguros. “Tenham sempre em nós uma parceria forte e segura. É um prazer estar aqui e participar dessa troca”, concluiu.

A coordenadora do Cesteh, Rita Mattos, abriu sua fala agradecendo a presença dos participantes e destacando a importância da colaboração entre diferentes instituições e especialistas que vieram de outros estados para acompanhar as atividades. Ela explicou que o encontro reuniu, de forma integrada, a devolutiva do projeto sobre Covid longa em trabalhadores — cuja principal entrega foi o caderno de orientações para atenção integral à saúde do trabalhador — e o início das discussões sobre o novo programa de formação na área. “Queremos discutir com vocês qual será o destino desse guia após o lançamento. Ele foi pensado para ser uma base sólida de atenção integral à saúde do trabalhador”, explicou.

A coordenadora detalhou que o encontro incluiu também a apresentação dos demais produtos do projeto, com a exposição dos resumos de cada estudo realizado.

Rita fez um agradecimento especial à procuradora do MPT, Júnia Bonfante, destacando sua dedicação ao longo do projeto. Lembrou ainda das dificuldades enfrentadas pela equipe, que não conseguiu alcançar toda a dimensão inicialmente planejada devido ao contexto político e às limitações de acesso aos trabalhadores. Mesmo assim, ressaltou a persistência do grupo. “Fizemos de tudo. Fomos incansáveis”, afirmou, mencionando o esforço em divulgar o estudo em rádios, mídias sindicais e sociais e diversos canais de comunicação, com o apoio da equipe de comunicação do projeto.

Ao longo da atividade, integrantes do projeto detalharam sua participação em cada etapa do estudo. Isabele Campos e Marcus Vinícius dos Santos apresentaram as ocorrências de eventos de Covid-19 em trabalhadores offshore a partir de banco de dados da Anvisa, com previsão de elaboração de um artigo com os dados coletados.

Os dados das análises clínicas e toxicológicas, bem como as dificuldades do trabalho de campo em Macaé, foram ressaltados pelo integrante do projeto, Leandro Carvalho, que salientou as estratégias utilizadas para enfrentar a logística específica desses trabalhadores, o que dificultava sua participação.

A exposição à BTEX, seus resultados e a popularização desse conhecimento foram apresentados pela pesquisadora Thelma Pavesi, que apontou o quanto esses agentes químicos são responsáveis pelos casos de câncer nesses trabalhadores.

Na parte da tarde, duas apresentações mostraram um panorama das pesquisas e monitoramentos sobre condição pós-Covid. Primeiro, o médico do ambulatório do Cesteh, Antônio Sérgio, apresentou o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, intitulado “Monitoramento das condições pós-Covid no Brasil”, documento que analisa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Em seguida, a integrante do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES/PPG Saúde Coletiva), Francis Sodré, apresentou seu estudo “Condições pós-COVID entre trabalhadores da saúde”.

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Resultados preliminares da pesquisa

A apresentação dos resultados preliminares da pesquisa ficou a cargo da coordenadora do projeto, Liliane Teixeira. “Sinais, sintomas ou condições que continuam ou se desenvolvem quatro semanas ou mais após a infecção inicial pelo SARS-CoV-2, e que não podem ser justificadas por um diagnóstico alternativo, são chamadas de condição pós-Covid”, explicou.

Liliane destacou que todos os estudos revelaram que trabalhadores offshore apresentaram alta carga de morbidades físicas, cognitivas e emocionais após a Covid-19, com grande impacto na capacidade laboral.

O Estudo 1 comparou trabalhadores com a população geral, analisando pesquisas internacionais. Segundo a pesquisadora, trabalhadores apresentaram alta prevalência de sintomas persistentes, com destaque para fadiga, névoa mental e sintomas respiratórios como dispneia e tosse crônica. “Os fatores de risco mais frequentes entre trabalhadores incluem atividades em espaços confinados, exposição a agentes químicos/físicos/biológicos, trabalho em turnos e longas jornadas”, explicou Liliane.

Outro resultado bastante aguardado veio do Estudo 3, que analisou a morbidade em trabalhadores offshore, com coletas realizadas em profissionais offshore e de óleo e gás em Macaé. Os resultados chamaram a atenção: “86% dos participantes apresentaram qualidade de sono ruim e 77% fadiga total. São taxas preocupantes para quem trabalha em uma categoria como essa”, afirmou. Outros indicadores elevados incluíram fadiga total e mental (acima de 50%), despertar noturno (mais de 60%) e risco de apneia (25%). “São casos que precisam de atenção para não comprometer ainda mais a saúde desses trabalhadores”, pontuou.

Em seguida, Liliane apresentou o Estudo 4, que resultou na elaboração do Caderno de orientações e sugestões para trabalhadores com condição pós-Covid, destinado a apoiar a atenção básica na identificação da condição em trabalhadores. “O caderno reúne orientações práticas sobre acesso à assistência, reabilitação e direitos trabalhistas, incluindo aposentadoria. Também apresenta um manejo clínico voltado para atenção básica, Cerest e Renast, descrevendo condutas e critérios de identificação de risco”, explicou.

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Parceria com a UFRJ Macaé e o Nupem

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do campus Macaé e do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Socioambiental de Macaé (NUPEM/UFRJ), foi uma das principais parceiras do projeto Covid Longa em Trabalhadores Offshore. A instituição contribuiu em etapas centrais da pesquisa, desde o trabalho de campo até a análise aprofundada do material biológico dos participantes.

A parceria envolveu docentes e estudantes de graduação que atuaram na coleta de dados e amostras, na revisão sistemática da literatura científica sobre Covid longa em trabalhadores e na análise laboratorial, conduzida no laboratório do NUPEM.

Segundo o diretor do Instituto de Ciências Médicas da UFRJ Macaé, Joelson Tavares Rodrigues, participar do projeto representou uma oportunidade valiosa para ampliar a atuação da universidade em estudos sobre saúde de trabalhadores:
“Estar presente em uma iniciativa que olha para a realidade dos trabalhadores offshore é de enorme importância acadêmica e social. A pesquisa aproximou nossos estudantes da ciência aplicada e fortaleceu o compromisso da UFRJ com problemas reais do território”, destacou.

A médica da Saúde Coletiva e professora do Instituto de Ciências Médicas da UFRJ Macaé, Karla Santa Cruz Coelhos, ressaltou a importância da participação dos alunos na pesquisa. “Trabalhamos com epidemiologia e cuidado. Os estudantes foram responsáveis tanto pela revisão da literatura mundial sobre covid longa e trabalho quanto pela avaliação dos questionários e pelas coletas de materiais biológicos”, explicou.

O processo envolveu treinamento em protocolos de medição de sono, circunferência abdominal, peso e estatura, proporcionando uma experiência formativa rica. A professora lembrou que o tema da saúde do trabalhador já está presente em toda a graduação, mas ganhou profundidade ao ser incorporado às atividades de pesquisa e extensão. “Como Macaé é um polo essencial de petróleo, óleo e gás, aproximar os estudantes desse campo e da Fiocruz ampliou a compreensão sobre vigilância, causalidade e notificação em saúde”, afirmou.

Segundo ela, a parceria com a Fiocruz se consolidou em encontros semanais entre as equipes das duas instituições, dedicados ao debate de artigos e à revisão integrativa da literatura internacional. O objetivo é produzir um artigo científico baseado em evidências mundiais, aprofundando a relação entre saúde do trabalhador e Covid longa. “Não queremos formar apenas médicos — o que por si só já é um grande desafio e muita coisa —, mas pesquisadores capazes de elaborar perguntas, buscar evidências e conduzir estudos éticos e complexos envolvendo múltiplas instituições”, destacou, ressaltando o entusiasmo dos alunos, mesmo atuando voluntariamente. “Esse processo é, para todos nós, um momento de educação permanente. Os estudantes que estão aqui desde o início certamente levarão essa vivência para sua prática futura”, concluiu.

Já a diretora do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ), Cíntia Monteiro de Barros, destacou que a contribuição do núcleo esteve concentrada nas análises bioquímicas e biológicas, fundamentais para compreender os impactos da exposição ocupacional no organismo dos trabalhadores. “Atuamos com avaliações de estresse oxidativo, exposição e outros marcadores que ajudam a identificar alterações decorrentes da Covid longa. O NUPEM tem experiência consolidada em pesquisas sobre Covid, mas ainda não havia trabalhado especificamente com a população offshore. Integrar um projeto dessa relevância foi extremamente significativo para nós”, afirmou.

A colaboração entre Fiocruz e UFRJ reforçou a importância da ciência pública, integrada e comprometida com a realidade dos trabalhadores brasileiros. Os resultados da pesquisa serão essenciais para orientar práticas clínicas, políticas institucionais e medidas de proteção à saúde dos profissionais do setor offshore.

 

Apresentação Leandro Carvalho

Apresentação Thelma Pavesi

Apresentação dos resultados Liliane Teixeira