Os últimos anos foram marcados pela pandemia da Covid-19, que tem gerado impactos imensuráveis sobre a saúde da população, tanto pelos efeitos relacionados à infecção direta pelo vírus Sars-CoV-2 no organismo quanto pela diversidade de possíveis sequelas em diferentes órgãos, por exemplo.
Em uma publicação recente em sua conta no X, Maria Van Kerkhove, líder técnica de resposta à Covid-19 e chefe das unidades emergentes de doenças e zoonoses da Organização Mundial da Saúde (OMS), enfatiza que o momento atual “é marcado pela co-circulação de outros patógenos, como vírus influenza, micoplasma, vírus sincicial respiratório (VSR), entre outros”.
Mas outra ameaça paira no ar, algo que vem sendo alertado há alguns anos: a gripe aviária.
Um vírus que se espalha pelo mundo
A gripe aviária, ou influenza aviário, é uma doença causada por um vírus influenza e, de acordo com o subtipo, pode ser classificado como de baixa ou alta patogenicidade (esse último é chamado de influenza aviário de alta patogenicidade ou IAAP), segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
Esse último grupo engloba os subtipos tipo A, como o H5 e H7, que são altamente contagiosos e causam doenças graves em aves, principalmente. O monitoramento desse vírus é de interesse para a saúde pública – uma vez que algumas cepas de IAAP são capazes de infectar humanos – e tem ganhado espaço recentemente.
Em fevereiro de 2021, foi informado, pela OMS, o primeiro caso de transmissão para humanos, a partir de aves, de uma cepa do vírus da gripe aviária H5N8. Até o momento, a transmissão entre humanos não foi detectada, porém, outro IAAP vem preocupando – e ganhando cada vez mais espaço.
No final de 2022, o Eurosurveillance divulgou um relatório descrevendo “um surto” de IAAP H5N1, em uma criação de visons no noroeste da Espanha, onde a taxa de mortalidade chegou em 4,3%. Segundo o relatório, é provável que as aves tenham desempenhado um papel importante na transmissão para esses mamíferos.
A cepa de IAAP H5N1 detectada nesses animais foi chamada de IAAP H5N1 clado 2.3.4.4b e, entre as alterações em seu material genético, foi encontrada uma mutação que pode ter um papel importante para possibilitar adaptações, favorecendo a infecção em células humanas. Casos esporádicos em humanos têm sido observados e, em 2023, tivemos a notícia de 12 pessoas confirmadas com a infecção por IAAP H5N1 no Camboja, não havendo a confirmação de transmissão entre humanos.
Casos de IAAP H5N1 foram confirmados em mamíferos marinhos, na mesma época, na costa litorânea do Peru, em paralelo à detecção do primeiro caso de IAAP H5N1 em humanos na América Latina, registrado no Equador em uma menina de 9 anos, segundo a OMS. Poucos meses depois, o primeiro caso de IAAP H5N1 foi noticiado em aves selvagens no Brasil, na costa do Espírito Santo. Até esse momento, já era impressionante o número de aves e mamíferos infectados pelo H5N1 no mundo, sendo um motivo de preocupação pelos especialistas, especialmente pela distância geográfica entre os casos.
Outros estados brasileiros, como o Rio Grande do Sul e o Mato Grosso do Sul, também detectaram focos de IAAP H5N1 em aves silvestres e domésticas de subsistência, respectivamente. O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) declarou a emergência zoosanitaria de IAAP H5N1 em todo o território nacional, por 180 dias, em maio de 2023, alertando que, apesar de não haver detecção de transmissão entre humanos, existe o risco de exposição ao vírus a partir de animais (e seus fluidos) infectados; e prevendo ações e movimentações importantes para conter o avanço do vírus em animais, bem como casos em humanos.
Em países como o Peru, o vírus se alastrou em mais de 100 mil aves de 24 espécies diferentes, que morreram em decorrência da infecção, causando grande impacto ambiental. Ao final de 2023, com o alastramento de casos de IAAP H5N1 na América Latina e com a detecção em países da América do Norte – ameaçando populações com risco de extinção, como os condores -, testes inicias de uma vacina contra a IAAP H5N1 voltada para aves mostraram resultados positivos.
Ainda em 2023, o vírus alcançou a Antártica, de forma inédita, e no início deste ano, o estado do Alasca registrou a primeira morte de um urso polar por IAAP H5N1 na história.
Uma das possibilidades que pode ter favorecido uma maior dispersão do vírus, entre as possíveis adaptações em seu material genético e a suscetibilidade de diferentes espécies (aves e mamíferos), pode ser a infecção em animais migratórios, com alerta especial para as aves.
Conscientização e prevenção
Nessa altura do texto, o leitor pode estar se questionando sobre o risco de se infectar com este vírus. Até o momento, seguimos sem detectar a transmissão de IAAP H5N1 entre humanos. No entanto, a contínua propagação em diferentes espécies pode favorecer a aquisição de alterações no material genético do vírus.
Existem alguns paralelos com um jogo de cartas: quanto mais cartas (ou oportunidades) o vírus recebe ao infectar novos hospedeiros de diferentes espécies de mamíferos, por exemplo, maior o risco de o vírus conseguir as adaptações necessárias para infectar humanos mais facilmente, segundo a OMS.
Além disso, a dispersão do IAAP H5N1 traz riscos para ecossistemas e animais que neles habitam e vem se tornando uma preocupação crescente para a saúde pública.
É necessário monitorar continuamente o avanço e disseminação desse vírus nas diferentes espécies pelo mundo, além de possíveis casos em humanos e o risco da dispersão entre humanos. Ainda, a testagem em criadouros e em animais selvagens encontrados doentes ou mortos, bem como o desenvolvimento de medidas preventivas como vacinas, são importantes aliados para evitar cenários mais complexos.
A conscientização é peça fundamental e podemos evitar a exposição a esse vírus. Caso encontre um animal ferido, doente ou morto, evite entrar em contato com o animal e procure as instituições de resgate e reabilitação da sua região, para que as autoridades verifiquem as causas da condição do animal.
E lembre-se: em caso de possível exposição, fique atento a sintomas parecidos com gripe comum nas semanas seguintes, e não deixe de buscar ajuda médica para o acompanhamento. A prevenção sempre será o caminho que trará os menores impactos para a sociedade, pois conhecemos preço de viver surtos, epidemias e pandemias – e ele é alto demais.