Antônio, (nome fictício) um trabalhador de meia idade – 50 anos – com mais de trinta anos de experiência no ramo químico dentro da Petrobras. Como de costume, prática de seu processo de trabalho, foi fazer uma manobra de manutenção de uma bomba de combustível. Foi quando começou a se sentir estranho e comentou com o seu parceiro de turno. Até então, achou ser algo comum. Interrompeu a atividade e acabou desmaiando no banheiro da empresa, sendo levado às pressas, já entubado, para o hospital diante da gravidade do caso. Depois de meses em coma, ao acordar, o trabalhador afirmou que sentiu uma “baforada” de gás sulfídrico (H2S) que estava vazando em um galpão próximo de onde trabalhava.
A informação pegou todos de surpresa, já que acreditavam ter sido um mal súbito sentido pelo trabalhador. Porém, começou-se a levantar questionamentos e averiguação, já que se confirmado a intoxicação, configura Acidente de Trabalho. “Diante disso, nós iniciamos um processo de investigação do caso, criando um “Fórum de Análise de Investigação, com ação de vigilância sanitária do trabalhador com apoio do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Fiocruz) por meio da Rede Trabalhadores e Covid-19, além de um coletivo de pesquisa-ação para avaliar o caso” explicou o diretor do Sindicato dos Petroleiros de Caxias (Sindipetro – Caxias) Gustavo Maurílio Costa.
Em casos assim, caracteriza se o Acidente de Trabalho, conforme dispõe o art. 19 da Lei nº 8.213/91, “acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. No ano de 2022, segundo as informações do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, foram realizadas 612,9 mil notificações de acidentes ocupacionais, um aumento de 14,3% em relação ao ano anterior – que somam 536,1 mil registros. Sendo assim, precisa ser feita a emissão do Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) pela empresa para envio ao INSS, tanto para caso de afastamento ou não desse trabalhador. Ai, entra um problema comum entre o Antônio, muitos outros trabalhadores brasileiros e dos Cerest’s.
Atuação dos Cerest’s
Os Cerest estão espalhados por diversas regiões do país auxiliando em questões que envolvem a relação saúde-trabalho. Além do acolhimento das demandas dos trabalhadores, serve como uma fonte geradora de conhecimento, potencializando a rede SUS na identificação de doenças ou agravos relacionados com as atividades que elas exercem, na região onde se encontram.
O Cerest de Duque de Caxias tem realizado esse trabalho de forma constante, com a realização de reuniões com direção de sindicatos explicando sobre a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora em relação com a saúde dos trabalhadores. “O Cerest Duque de Caxias – RJ realiza, além das articulações intersetoriais, treinamentos não só com os sindicatos, quando solicitado, mas principalmente a Rede SUS. Além do fomento da participação dos sindicatos no Fórum Intersindical, organizado pelo Professor Luís Carlos Fadel, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz). As equipes de saúde das unidades precisam estar com olhar atento para receber um trabalhador e identificar possíveis acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho”, salientou a diretora do Cerest Duque de Caxias, Lúcia Regina Souza da Cruz, reforçando a ideia saúde-trabalho.
Os Esses Centros auxiliam de forma significativa os sindicatos e trabalhadores, já que esses dados ajudam em negociações com empresas, além de municiar informações para a elaboração de políticas públicas. Um dos pontos de maior atenção dos Centros é reforçar a importância tanto dos trabalhadores quanto das empresas para a emissão do CAT.
Em Caxias do Sul, por exemplo, o Cerest enfrenta essa realidade. “O nosso principal desafio permanece sendo a resistência das empresas a emitir o CAT nos casos de acidentes que não geram afastamento, bem como nos casos em que há doenças relacionadas ao trabalho, pelo receio da repercussão onerosa”, é o que explica a fonoaudióloga do trabalho e integrante do Cerest Caxias do Sul, Nicieli Sguissardi. Acidentes considerados leves, que não exigem o afastamento do trabalhador, também precisam da emissão do documento, porém a fonoaudióloga alerta que não é isso que acontece. “Muitas empresas alegam para os trabalhadores que a CAT só é obrigatória quando precisa encaminhar para o INSS, isso não é verdade”.
Segundo Niceli, para alertar os trabalhadores, uma das ações realizadas pelo Cerest em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) é a realização, periodicamente, de seminários destinado às empresas da região que possuem ambulatório, visando sensibilizá-las e capacitá-las acerca da emissão de CAT e notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) para todo agravo relacionado ao trabalho. “Para tanto, o MPT notifica às empresas elencadas pelo CEREST/Serra a participar do evento. Além disso, em todas as vistorias em ambientes e processos de trabalho, o CEREST/Serra solicita cópias dos SINAN e CAT emitidos no último ano e entrega em seu relatório a recomendação de que a empresa emita esses documentos a todo acidente ou doença relacionado ao trabalho”.
Dentre as maiores queixas levadas dos trabalhadores para o Cerest Caxias está a falta de gestão da saúde e segurança do trabalho, muitas vezes verificadas também em atos de vistorias realizadas nas empresas. Niceli salienta que a ausência de proteções nas máquinas e equipamentos, além da culpabilização dos trabalhadores e o não fornecimento de informações aos mesmos está no topo das reclamações.
A prova da falta de uma gestão qualificada de saúde no ambiente de trabalho na região se comprova pela morte do venezuelano Edgar Oliveiros da Costa, de 34 anos, encontrado morto dentro do banheiro do frigorífico em que trabalhava em Caxias do Sul. Segundo relatos, o trabalhador já tinha procurado o serviço médico da empresa anteriormente por conta de indisposições no trabalho e nada foi feito. O caso segue em investigação com a polícia local e é acompanhado de perto pela Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) da região.