A Rede Trabalhadores & Covid-19 recebeu para a sua sessão científica do mês de setembro a geógrafa, mestra em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP) e doutoranda em planejamento pela Universidade Federal do ABC (UFABC) Fernanda Pinheiro da Silva para apresentar a pesquisa feita na região do ABC Paulista, em Capuava, no Polo Petroquímico.
Intitulada “Riscos e desastres na produção do espaço urbano: Estudos sobre a exposição química em uma centralidade industrial na periferia da metrópole de São Paulo” a pesquisa objetivou verificar a produção social de riscos, desastres tecnológicos e desastre em contexto urbano. Uma das referências que a pesquisadora utilizou são os artigos e estudos realizados pela professora de Endocrinologia e pesquisadora do Centro Universitário Saúde ABC / Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, que estuda dos efeitos dessa exposição há anos.
Segundo a doutoranda, um dos agravos apresentados na população ao redor do Polo é a tireoidite de hashimoto, uma condição de quando os anticorpos no organismo atacam as células da tireoide – uma reação autoimune que além dos trabalhadores atingem toda a população que habita o entorno do polo. “É uma exposição ineterrupta. O barulho, o cheiro, a fumaça são manifestações que me interessam pensar, já que assolam a vida dessa sociedade em geral”, salientou ela, reforçando que não é algo que acontece esporadicamente e sim uma situação rotineira.
A pesquisadora explica que o polo existe desde 1945, com a sua atividade ainda muito discreta, mas teve a sua atividade intensificada 1972, coincidentemente, junto com a intensificação de loteamento de terrenos no entorno para a população de baixa renda. “A situação daquela época se desdobra numa configuração atual que se produz ameaças em saúde” reforçou a doutoranda.
Fernanda explicou que tem buscados informações de riscos e ameaças antes das publicações da Dra. Maria Angela para entender como essas condições foram aparecendo ao longo do tempo.
Achado importantes
Em suas buscas, a pesquisadora encontrou reportagens em jornais da época que já acusavam a relação de algumas mortes da região com a exposição química que vinha da fábrica. A primeiras, de um menino que caiu em uma valeta que corta as cidades de Mauá e Santo André. Mesmo o laudo oficial ter saído como morte por afogamento, técnicos das fábricas revoltados com o descaso das autoridades examinaram as substâncias e descobriram resíduos de benzeno, mostrando que a criança tinha morrido asfixiado pelo tóxico. O segundo caso levantado pela pesquisadora foi o fechamento do Haras São Bernardo – na época reconhecido pelos bons cavalos de corridas, que a partir dos anos 70 começaram a enfrentar problemas graves de crescimento dos cavalos, afetados pela exposição dos poluentes fortemente associada a petroquímica. “Relacionando isso com as informações mais recentes, eu me sinto numa espécie de quebra cabeça, para pensar a qualificação, já que o fio condutor é essa presença-ausência de riscos e ameaças nesse fragmento da metrópole nos termos da produção do espaço urbano. Mas essas descobertas me fazem pensar em muitas outras camadas de violências silenciadas e como o adoecimento é parte do processo de urbanização”, enfatizou a pesquisadora.
Dra. Maria Angela Zacarelli Marinho e as descoberta da A tireoidite de hashimoto
A tireoidite de hashimoto não é a única patologia associada a essa atividade industrial, mas a pesquisadora explica que ela foi o ponto de partida para o início de pesquisa. Como uma das bases de estudo foram utilizados os artigos da médica endocrinologista Dra. Maria Angela Zacarelli Marinho, que escreve artigos desde os anos 2000 sobre a relação das doenças com a atividade do polo, já que nos seus atendimentos clínicos a médica observou que a tireoidite se manifestava em grande quantidade de homens e crianças, algo incomum. Diante disso, Fernanda explica que a médica ganhou apoio do Ministério Público do ABC para a elaboração de pesquisa que associou a doença com a atuação do polo petroquímico. A pesquisadora salientou que, mesmo com essa trajetória de estudos, é “difícil adquirir o nexo causal da doença com o polo, já que é liderado por empresas poderosas”.
Assista a atividade completa no vídeo abaixo: