Como foi a pandemia para quem trabalhava no serviço funerário da cidade de São Paulo, a maior do país e também a que concentrou o maior número de mortes? E os imigrantes que tentavam uma vida melhor num país distante do seu, com uma língua e cultura diferentes, em um momento político e sanitário difícil? Estes e também os demais trabalhadores em serviços considerados essenciais foram o foco do projeto de pesquisa DOSSIÊ COVID-19 Como Doença Relacionada ao Trabalho, realizada entre os anos de 2020 e 2022 por um grupo de 28 pesquisadores, com o apoio e a parceria de 43 sindicatos e federações, e que tem os primeiros dados publicados este mês.
Reprodução: Instituto Walter Leser
Liderada pela médica Maria Maeno, coordenadora do Grupo Saúde do Trabalhador do Instituto Walter Leser da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (IWL-FESPSP) (IWL-FEPSP) e pesquisadora da Fundacentro, a pesquisa investigou as condições de trabalho e saúde das pessoas que se viram obrigados a se expor ao vírus, por estarem ocupados em uma atividade essencial ou por condições precárias de trabalho e de vida. Segundo o IBGE, em 2022 esse grupo somava 96,7 milhões de pessoas.
Além do comportamento do vírus, que apresentava disseminação agressiva, havia a condição de vulnerabilidade econômica de parte expressiva da população desde antes da eclosão da pandemia. Para esse grupo o auxílio do governo não chegou, ou chegou muito tarde, o que impeliu essas pessoas a sairem de casa em busca de subsistência. “Tudo isso em uma realidade sem precedentes, tanto do ponto de vista sanitário quanto político, quando ignoravam as mortes, os casos graves e as aglomerações facilitadas pelas atividades de trabalho que contribuíram para a rápida e avassaladora disseminação do vírus”, escreve Maria Maeno, coordenadora da pesquisa e do GT Saúde do Trabalhador. Os relatórios serão publicados em fascículos virtuais, no formato PDF e com distribuição gratuíta, cada um destacando uma categoria de trabalhadores/as. Os dois primeiros fascículos contemplam as pesquisas realizadas junto aos dois grupos mais vulneráveis entre os investigados: os imigrantes, que ficaram à margem e tiveram dificuldades inclusive no atendimento médico, e o pessoal do serviço funerário, na época ainda sob controle do poder público, ainda que com parte de suas atividades terceirizadas.
O objetivo do DOSSIÊ COVID-19 Como Doença Relacionada ao Trabalho é lançar luz sobre a realidade dos trabalhadores e trabalhadoras presenciais durante a pandemia, evidenciando as situações com maior potencial de contágio para ajudar no estabelecimento de nexo causal da doença com o trabalho. Com as informações levantadas e que começam a ser apresentadas agora de forma organizada nos fascículos, os pesquisadores esperam subsidiar a elaboração de respostas a serem adotadas agilmente em cenários pandêmicos, ajudar no reconhecimento de seus múltiplos prismas e formas de vulnerabilização das populações, dos diversos caminhos de exposição e efeitos na saúde e na vida.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (UNESP).